06 maio 2025

Gol de quem?

  Acordei com o choro da criança. Atordoado, olhei no relógio e era pouco depois das 23:00. Esbocei um movimento, mas minha esposa disse que iria verificar e que eu deveria dormir. Ouvi os fogos de artificio – possivelmente a causa do susto e, consequentemente, o choro. Em solidariedade me manteria acordado até que minha esposa retornasse. Peguei o celular e logo descubro que os fogos eram de torcedores do Time A comemorando a vitória contra o Time B. Não acompanho esportes.

Ela volta alguns minutos depois. O silencio voltava a reinar. 

- Desligue o celular e vá dormir. – Ela me diz.

- Já vou. – Respondo.

Enquanto isso, vejo um comediante fazendo piada sobre o presidente, alguém dançando, outro sorrindo, o pôr do sol, uma pose ensaiada, um sorriso, notícia política, mulheres em festa, uma caixa sendo aberta, um entrevistado com cara de conteúdo, tema longo, acho que é sobre o limite do humor. Mais uma vez. Irmãos sorrindo, são celebridades. Um famoso alcoolizado. Alguém querendo ser ator. Alguém querendo ser. Eu estou vendo, vendo e vi. O galo canta. Hora de acordar. A vida passa. Minha filha. Intercâmbio. Hora de acordar. Meu neto. Estou na cama. A vida passou.

Gol de quem?


25 fevereiro 2025

Borboletas coloridas

 

Quase tudo mudou. Ouso dizer que melhorou. Será? Aqui permanece o mesmo, o que muda é o que deixamos os outros verem. Eu não gosto muito de ser visto, embora tente aparecer. Disfarço minha timidez sendo espalhafatoso. Deixo os outros falarem, sou um holofote. Sou um holofote com pilhas velhas, ilumino muito por pouco tempo. Preciso de uma tomada.

17 janeiro 2017

Se eu sair daqui eu vou mudar



O despertador grita e avisa que é hora de acordar. São 5h15 da manhã. Aperto o snooze e não penso em nada. São 5h24 e o despertador, novamente, enche o quarto com seu canto. Snooze. São 5h33, 5h42, 5h51, 6h00. Acordo, mas não me movo.

Do lado de fora o dia começa aos poucos. Carros passam, crianças gritam e é bonito, o vento esmurra gotas de chuva no alumínio da janela e eu aqui dentro. Meu corpo pesa sobre a cama. Apanho meu celular e procuro as novidades do dia. Tudo como sempre. Mesmas fotos, mesmos assuntos, mesmas reclamações. De saco cheio.

Deitado no escuro, percebo sua chegada. Corro para o banheiro, regurgito meu conteúdo gástrico. Não há nada lá. Só o mal-estar. Volto para cama e tento encontrar motivo para tomar café. Sei que passarei mal novamente.

Meu peito segue pesado. Checo o celular. Tudo como sempre. Faço um café. Minha cabeça antecipa o vômito. Tomo o café. Sento no sofá. Mal-estar. Corro para o banheiro. Tchau café. Me deito e espero a cabeça parar de girar. Quanta angústia. Meu peito pesa. Ela não escreveu. Deve estar dormindo. Deve ser isso. Volto para a sala. Tomo banho. Vômito e shampoo. Respiro fundo e escovo os dentes.

No trânsito, ouço minhas músicas. O aleatório me faz chorar cantando sobre a Via-Láctea. Me sinto tão sozinho. Não quero mais ser que eu sou. Dor no peito. Angústia. Caralho!

Elevador e o dólar subiu, ou desceu. Foda-se! Não me importo. Bom dias! Sento-me e leio as notícias do dia. Tudo como sempre. Deveria estar trabalhando. Almoço. Repetição. Carro. Casa. Passar o tempo. Você. Vou dormir. Repetição amanhã.

Caralho!



21 dezembro 2016

Aprender


Com Li aprendi a ser fofo.
Com Lu aprendi a pensar.
Com Mo a esperar..
E comigo já não sei mais.

04 julho 2016

Ouvi na FLIP16...



Conversa não-ficcional que ouvi na FLIP 2016, ou 14ª Festa Literária Internacional de Paraty.


- Moço, para que essa fila?
- É para as mesas da FLIP. Para assistir as palestras dos autores.
- Os atores da Globo?
- Não, os autores de livros.
- A...


Não consegui ouvir o resto, pois a fila andou.




03 abril 2016

Fases


Os alto-falantes da locadora tocavam as dez – ou vinte – mais do dia. Um dia era rock, outro era pop e quase nunca música popular brasileira. Jovens não gostam de música popular brasileira hoje em dia, ainda mais no meio dos anos 1990.
Durante a semana a locadora ficava vazia. A exceção eram os clientes que passavam para devolver as fitas alugadas durante o final de semana e dos poucos adolescentes que ficavam em torno da máquina de fliperama. Cliente vem e vai. Cliente vem e reclama da taxa de rebobinagem. Cliente vem acompanhado de neto, devolve as fitas e neto não tira os olhos do fliperama.
- Vô. Posso jogar uma vez? – Pergunta o neto.
- Hoje não. Tô cheio de coisa pra fazer. – Responde o avô.
- Só uma ficha!
Depois de alguma negociação, o neto consegue o que quer. O avô observa.
Existem danças adolescentes que não são ensinadas, mas aprendidas. Uma espécie de regra de conduta em torno dos mais diferentes itens. Como se portar no recreio. Como se portar na sala de aula. Como se portar no banheiro. Como fazer bagunça no cinema. E, para o caso, como se portar quando se tem uma ficha para o fliperama e como se portar quando não se tem uma ficha para o fliperama.
É, mais ou menos, assim: Ficha na mão; as luzes escurecem; o futuro jogador caminha em câmera lenta até o fliperama ao som de cavalgada das valquírias. Os desprovidos de fichas abrem caminho e, por pouco, não se curvam em reverência. Ao começar o jogo, todos os olhos se virarão para a tela e nada mais importará.
É a primeira vez do nosso jogador. Ele, como os outros, já observou outros jogados e agora é sua vez de jogar. Fará uma grande partida? Colocará suas inicias na lista de melhores jogadores daquela máquina? Tornar-se-á uma lenda local? Não interessa. O que interessa é que, nesse exato momento, nosso jogador não sabe nem sequer qual lutador escolher. Puxa de memória e lembra-se de um lutador esguio e ágil. Lembra-se, também, que o lutador veste máscara, uma luva com garras e um cinto vermelho. É o suficiente. Encontrara seu representante.
Perde o primeiro round. Perde o segundo. O encanto se desfaz. Sua audiência assiste a queda de mais um desafiante... Maldito Ken e sua estúpida cabeleira loira!
- Vamos embora. – Diz o avô.
- Não, tem mais lutas! – Responde o neto.
- Só passa de fase quem termina a fase anterior. – Informa um adolescente que assistia tudo em silêncio.

Não há mais nada a fazer. O neto encolhe os ombros, caminha para saída com seu avô e aprende uma lição que levará para o resto de sua vida: Só passa de fase quem termina a fase anterior.


14 setembro 2015

Trompete



- Tá bom! Você venceu! O Uruguai não é um Estado tampão! - Assim Jorge deu-se por vencido nessa, aparentemente, infinita discussão com a geógrafa Luísa.
- Não é questão de ganhar a discussão, são os fatos. Os uruguaios lutaram para ser uruguaios.
- Tá! Um brinde aos uruguaios!
- Humnn... Saúde!
- O que você fez de bom no final de semana? - perguntou Jorge tentando trocar de assunto.
- Toquei trompete.
- Isso é eufemismo para alguma coisa?
- Nada de eufemismo.
- O fim de semana todo?
- Claro que não. Esse foi o ponto alto.
Jorge não sabia exatamente como continuar a conversa. Luísa era apenas uma conhecida desconhecida.
- Que legal. Trompete! – Disse Jorge sem saber como continuar a conversa, mas incapaz de trocar de assunto – Faz tempo que você toca trompete?
- Não. Um ano, um ano e pouco. É bom para relaxar. Respiração e concentração. Na sexta à noite, peguei meu carro, fui para o meio do mato, parei e toquei.
- OK... – Responde um incrédulo Jorge.
- Cara, é sério! – Respondeu Luísa.
- Acredito. É que... Por que você iria até o meio do mato para tocar trompete?
- Porque é silencioso. – Respondeu Luísa.
Luísa e Jorge não compartilhavam a mesma opinião sobre o que é o “silêncio”. Jorge achava que o silêncio era apenas a ausência de som, enquanto Luísa não. A conversa continuou. Jorge perguntava. Luísa respondia. Jorge explicava. Luísa ouvia e, aos poucos, foi se iluminando a escuridão do desconhecimento mútuo.

Hoje, passados anos da discussão sobre a origem do Uruguai, Luísa toca seu trompete e Jorge a ouve em silêncio.